Arbitragem e Terceiros

Rômulo Greff Mariani
É amplamente reconhecida a natureza jurisdicional da arbitragem, principalmente após a lei n. 9.307/96 (art. 31), devendo à sentença arbitral reconhecer-se a mesma eficácia que uma decisão proferida por juiz togado. Prova disso é que, diferentemente de outros tempos, não mais se faz necessária a homologação judicial da decisão arbitral. (NERY JUNIOR, Nelson.Código de processo civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 1300). Apenas a sua execução será levada ao judiciário, acaso não haja cumprimento espontâneo.
O problema surge quando nos deparamos com a possibilidade de uma discussão levada a um Tribunal Arbitral – da mesma forma que uma ação ajuizada junto ao Poder Judiciário – também atingir a esfera jurídica ou patrimonial de um terceiro (por terceiro, se considerará aqui qualquer um que restou alijado do procedimento arbitral, independente da natureza do seu interesse), podendo mesmo influir nos limites subjetivos da relação jurídica discutida, havendo casos em que a sua intervenção será necessária, sob pena de nulidade da decisão (CPC, art. 47). A hipótese encontra alguma regulamentação em outros países, como a Itália (SILVA, Paula Costa e; GRADI, Marco. A intervenção de terceiros no procedimento arbitral no direito português e no direito italiano. Revista Brasileira de arbitragem. São Paulo, v. 08, n. 28, p. 41-92, out./nov./dez 2010), mas no Brasil a omissão legislativa demanda maior atuação dos operadores do direito, a fim de que a lacuna seja preenchida. Como leciona Carreira Alvim, “[n]ão há na Lei n° 9.307/96 disposição permitindo tal intervenção, mas, também, não existe proibindo, cabendo ao intérprete buscar solução que melhor se ajuste ao nosso sistema.” (Direito Arbitral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 386).
Se o terceiro se vinculou de maneira prévia à solução arbitral, juntamente com as demais partes, afora as questões relacionadas ao procedimento (nomeação de árbitros, etc.), não haverá maiores discussões quanto à possibilidade de sua intervenção. Os problemas certamente surgirão quando esse terceiro não estiver de maneira prévia vinculado à arbitragem, caso em que não será possível obrigá-lo a se submeter ao procedimento arbitral, meio alternativo de resolução de conflitos que dependente essencialmente da vontade dos litigantes para se perfectibilizar (lei n. 9.307/96, art. 3).
Contudo, há casos em que não obstante a inexistência de compromisso arbitral prévio por parte do terceiro, a intervenção na arbitragem poderá se dar por sua iniciativa ou mesmo após convite dos litigantes. É dizer: sem que seja o terceiro compelido a se submeter à arbitragem, mas a partir de consenso entre as partes originárias e o terceiro. Essa a lição de Carreira Alvim, segundo o qual “[r]evela-se mais consistente a posição sustentada pelos que admitem a intervenção de terceiros, havendo consenso das partes, o que afigura mais de acordo com o espírito da arbitragem, que tem a sua base fundamental no acordo de vontades. Admitir-se a intervenção contra a vontade das partes originárias complica o processo arbitral, neutralizando as principais vantagens que as levariam a celebrar o compromisso, e podem tê-lo celebrado, justamente para verem resolvida a sua lide de forma convencional, afastando os rigorismos do processo judicial, dentre os quais as intervenções coactas, que têm constituído um dos mais sérios entraves ao seu desenvolvimento.” (Direito Arbitral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 391/392). No mesmo sentido vem Athos Gusmão Carneiro (Intervenção de terceiros. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 78).
E mais: ao deliberarem sobre o tema, as partes imporão sua vontade ao árbitro, que deverá prosseguir com a arbitragem, com ou sem a intervenção. Isso não significa arbitrariedade das partes, na medida em que o tribunal arbitral é formado por conta e na medida da sua vontade, e elas sofrerão as consequências de sua decisão. Por exemplo, se as partes originárias entenderam que não era caso de intervenção quando ela se fazia necessária sob pena de nulidade da decisão, correrão o risco de ter a sentença arbitral anulada pelo Poder Judiciário por iniciativa do terceiro.
Feitas essas consideração, pode-se vislumbrar os seguintes cenários quando da intervenção: (i.) a eficácia da decisão independe da intervenção do terceiro, ou mesmo (ii.) a intervenção é necessária, sob pena de nulidade da decisão. São essas as hipóteses que aqui cumpre analisar.
A primeira delas não impõe maiores problemas. Em havendo interesse de um terceiro em intervir em favor de uma das partes, mas inexistindo consenso entre as partes originárias sobre a intervenção, o procedimento deverá prosseguir sem o terceiro, o que não afetará a eficácia da decisão. Por óbvio, a parte contra quem militará o terceiro tenderá a se opor e, por consequência, inviabilizar a intervenção. Contudo, nada impede que os litigantes prevejam já no compromisso arbitral/cláusula compromissória essa espécie de intervenção, caso em que não poderão se opor acaso isso efetivamente ocorra. Da mesma forma, nada impedirá que o terceiro auxilie uma das partes, prestando acessória jurídica a ela, mesmo que não formalmente constituído na arbitragem.
Essa a posição de parte da doutrina (entre outros, ver THEODORO JÚNIOR, Humberto. Arbitragem e terceiros – litisconsórcio fora do pacto arbitral – outras intervenções de terceiros. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC. jul./set. 2001. p. 53-87). Todavia, também não se deixa de registrar respeitáveis entendimentos em sentido contrário, como o de Nathália Mazzonetto, ao sustentar que as partes não possuem “superpoderes” na arbitragem, razão pela qual não poderiam vedar a assistência de terceiro. (Uma análise comparativa da intervenção de terceiros na arbitragem sob a ótica dos Ordenamentos Jurídicos Italiano e Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem. Porto Alegre, v. 4, n. 14, p. 44-59, abr./jun. 2007).
 A segunda hipótese se afigura um pouco mais delicada, na medida em que a falta de intervenção poderá causar a nulidade da decisão. Da mesma forma, nesse caso as partes não poderão impor sua decisão (positiva ou negativa) ao terceiro. Se positiva, estariam impondo ao terceiro a arbitragem. Se negativa, estariam deliberando sobre questão jurídica relacionada a um terceiro, em decisão que a ele não poderá ser imposta acaso futuramente sustente a nulidade da decisão em instância judicial. Desta feita, em não havendo consenso entre as partes (autonomia da vontade), o árbitro deve prosseguir na arbitragem tal e qual originada, assumindo os litigantes o risco de sua decisão sobre o ponto. Se ela foi por prosseguir sem a intervenção, terão o risco de ter a sentença arbitral anulada pelo terceiro. Se eles, de outra banda, entenderem que a intervenção é necessária, deverão aceitar a intervenção espontânea ou convidar o terceiro a participar do procedimento. Em não havendo aceite, poderão encerrar a arbitragem e continuar o litígio no judiciário, onde o terceiro não poderá se negar a ser demandado.
 Com efeito, não concordamos com Humberto Theodoro Júnior quando afirma que em caso de recusa do terceiro e “[s]e for necessário o litisconsórcio, ‘só restará ao árbitro encerrar o procedimento sem julgamento de mérito, por falta de integração da convenção de arbitragem’. Proferirá sentença terminativa na esfera arbitral, para que a lide possa ser resolvida pelo judiciário.” (Arbitragem e terceiros – litisconsórcio fora do pacto arbitral – outras intervenções de terceiros. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC. jul./set. 2001. p. 53-87). O risco em levar o seu litígio à arbitragem é das partes, sendo elas – e não o árbitro – que devem decidir sobre a necessidade de extinção e remessa do litígio ao judiciário, ou não. A assertiva, ademais, levaria à possibilidade de extinção do processo arbitral e posterior não reconhecimento do litisconsórcio necessário pelo juiz togado, na medida em que a decisão do árbitro não vincula o terceiro e este ainda poderá sustentar que o litígio em comento em nada lhe diz respeito.
Cumpre destacar que a solução não viola o direito ao contraditório do terceiro. Veja-se que na hipótese do terceiro restar alijado do procedimento por vontade das partes, não obstante a intervenção seja necessária e o terceiro aceite se submeter à arbitragem, ele sempre poderá se opor na via judicial.
Por derradeiro, resta apontar que o terceiro que intervém na arbitragem sem que a intervenção se mostre necessária, se submeterá ao procedimento, tal e qual instituído pelas partes. Não poderá modificar as regras procedimentais estatuídas na medida em que (i.) intervém por iniciativa sua; (ii.) a arbitragem não versa sobre direito seu e (iii.) a regularidade do procedimento independe da sua intervenção.
O mesmo não se pode dizer para os casos em que o terceiro participará do procedimento quando o objeto da discussão lhe diz respeito diretamente, de forma que a falta de intervenção levaria à nulidade da decisão. Impor ao terceiro o procedimento e, principalmente, os árbitros nomeados pela partes originárias, configuraria flagrante violação ao seu direito de contraditório e ampla defesa. Nesse caso, deverão as partes e o terceiro negociar a possibilidade de nomeação de um árbitro pelo terceiro, bem como os ajustes procedimentais que se fizerem necessários, de maneira a não prejudicar a defesa do novo litigante.
Fonte: Processos Coletivos.

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