TRATADO DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM OBRIGATORIA ENTRE O BRASIL E O URUGUAY

Getulio Dornelles Vargas
PRESIDENTE DA REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL
Faço saber, aos que a presente Carta de ratificação virem, que, entre os Estados Unidos do Brasil e a Republica Oriental do Uruguay, foi concluido e assignado o Tratado de Conciliação e arbitragem obrigatorio, do teôr seguinte:
TRATADO DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM OBRIGATORIA ENTRE O BRASIL E O URUGUAY
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil e o Presidente da Republica Oriental do Uruguay, sinceramente desejosos de expressar em formula solenne os sentimentos pacificos que animam os dois paizes, resolveram celebrar um tratado de conciliação e arbitragem obrigatoria e, para esse fim, nomearam seus plenipotenciarios, a saber:
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil: o Senhor Doutor José Carlos de Macedo Soares, Ministro de Estado das Relações Exteriores; e
O Presidente da Republica Oriental do Uruguay: o Senhor Doutor Juan José de Arteaga, Ministro das Relações Exteriores;
Os quaes, depois de trocarem seus respectivos plenos poderes, que foram achados em bôa e devida forma, convieram nas disposições seguintes:
ARTIGO PRIMEIRO
As controversias, de qualquer natureza, que surjam entre as Partes contractrantes e não se tenham podido resolver por negociações directas ou por via diplomatica ordinaria, serão submettidas á conciliação, á arbitragem ou á decisão judicial, nos termos do presente Tratado.
ARTIGO II
Antes de qualquer processo arbitral ou judiciario a questão será submettida, para fins de conciliação, a uma commissão permanente de conciliação, constituida nos termos deste Tratado.
De commum accôrdo, as Partes poderão, não obstante, submetter determinada controversia á decisão arbitral ou judiciaria, sem recurso á preliminar de conciliação.
ARTIGO III
A Commissão Permanente de Conciliação compor-se-á de cinco membros.As Partes contractantes nomearão, cada qual, um commissario, escolhido entre os seus proprios nacionaes, e designarão, de commum accôrdo, os tres outros entre nacionaes de terceiras Potencias. Estes tres commissarios deverão ser de nacionalidades differentes e dentre elles as Partes escolherão o Presidente da Commissão.
Os Commissarios serão nomeados por tres annos; seu mandato é renovavel. Se, ao expirar o mandato de um membro da Commissão, não se tiver procedido á sua substituição, o seu mandato será considerado renovado por um periodo de tres annos. As Partes reservam-se, comtudo, a faculdade de transferir, no termo do prazo de tres annos, as funcções de presidente a outro dos membros da Commissão, designados em commum. O Commissario, cujo mandato expirar durante o curso de um processo, continuará tomando parte na causa até o termo desta e ainda que tenha sido designado o seu successor. As vagas que occorrerem na Commissão, em consequencia de fallecimento ou demissão dos commissarios, serão preenchidas, dentro do mais breve prazo, segundo o modo estabelecido para as nomeações.
Quando não haja pendente nenhum processo, cada uma das Partes poderá exonerar o Cmmissario por ella nomeado e designar-lhe successor.
ARTIGO IV
A Commissão Permanente de Conciliação será constituida dentro dos seis mezes que se seguirem á troca das ratificações do presente Tratado.
Se a nomeação dos commissarios que hão de ser designados em commum não se effectuar dentro do referido prazo ou, na hypothese de substituição, dentro de seis mezes a contar do momento da vacancia do logar, o Presidente da Confederação Suissa, salvo outro accôrdo entre as Partes, será solicitado a fazer as designações necessarias.
ARTIGO V
A Commissão Permanente de Conciliação será chamada ao desempenho das suas funcções por meio de requerimento dirigido ao seu Presidente pelas duas Partes, quando procederem de commum accôrdo.
O requerimento conterá breve exposição do objecto da controversia e o convite á Commissão para que proceda a todas as medidas conducentes á conciliação das Partes.
ARTIGO VI
A Commissão Permanente de Conciliação terá por encargo elucidar as questões em litigio, colher com esse escopo todas as informações uteis por meio de inquerito ou por outra forma, e pôr todo o empenho em conciliar as Partes. Depois de examinar a questão, ella poderá propôr ás Partes os termos de accôrdo que lhe pareça conveniente e assignar-lhes um prazo para se pronunciarem a respeito. Findos os trabalhos, a Commissão lavrará uma acta, da qual constará, conforme o caso, ou que as Partes entraram em accôrdo e eventualmente as condições deste, ou que não foi possivel concilial-as.
Os trabalhos da Commissão, salvo convenção das Partes em outro sentido, deverão estar concluidos dentro do prazo de seis mezes, a contar do dia em que a controversia lhe tenha sido submettida.
ARTIGO VII
Salvo estipulação especial contraria, a Commissão Permanente de Conciliação regulará por si mesma o seu processo que, em todos os casos, deverá ser contradictorio. Em materia de inquerito, salvo decisão contraria, tomada por unanimidade, a Commissão seguirá as disposições do Titulo III – Das Commissões internacionaes de inquerito – da Convenção de Haya, de 18 de Outubro de 1907, para a solução pacifica dos conflictos internacionaes.
ARTIGO VIII
A Commissão Permanente de Conciliação reunir-se-á, salvo accôrdo contrario entre as Partes, onde lh’o determinar o seu Presidente.
ARTIGO IX
Os trabalhos da Commissão Permanente de Conciliação só serão publicos se ella assim o decidir, com o assentimento das Partes.
ARTIGO X
As Partes serão representadas junto á Commissão Permanente de Conciliação por agentes, com o encargo de servir de intermediarios entre ellas e a Commissão; poderão, além disso, fazer-se assistir de consultores e peritos que nomearem para esse effeito e pedir a audição de todas as pessoas cujos depoimentos lhe pareçam uteis. A Commissão terá, a seu turno, a faculdade de pedir explicações oraes aos agentes, consultores e peritos das duas Partes, bem como a todas as pessoas que julgar util fazer comparecer com a acquiescencia de seus respectivos Governos.
ARTIGO XI
Salvo disposição contraria do presente Tratado, as decisões da Commissão Permanente de Conciliação serão tomadas por maioria de votos.
A menos que as Partes decidam de outra forma, a Commissão não poderá pronunciar-se sobre o merito da questão sem que todos os seus membros estejam presentes.
ARTIGO XII
As Partes contractantes compromettem-se a facilitar os trabalhos da Commissão Permanente de Conciliação e, em particular, a ministrar-lhe na mais larga medida possivel todos os documentos e informações uteis, assim como a usar dos meios a seu alcance para lhe permittirem effectuar, nos seus respectivos territorios e de accôrdo com suas leis, a citação e a audição de testemunhas e peritos e a realização de vistorias.
ARTIGO XIII
Durante os trabalhos da Commissão Permanente de Conciliação, cada um dos Commissarios receberá um subsidio pecuniario, cuja importancia será fixada de commum accôrdo entre as Partes contractantes e satisfeita por ellas em quotas eguaes.
Cada uma das Partes supportará uma quota egual nos gastos geraes da Commissão.
ARTIGO XIV
A falta de accôrdo previsto no Artigo V, ou, quando o tenha havido, não se verificando a conciliação das Partes perante a Commissão permanente de Conciliação, o litigio será submettido á Côrte Permanente de Justiça Internacional, desde que se trate de algum dos casos previstos no Artigo 36, alinea 2, dos seus Estatutos.
Caberá á Côrte, se fôr o caso, decidir, consoante o Artigo 36, alinea 4 de seus Estatutos, sobre sua competencia para conhecer dos litigios que lhe sejam submettidos de accôrdo com este Tratado.
Todas as demais controversias serão resolvidas por via de arbitragem nas condições previstas no Artigo XVI do presente Tratado.
Todavia, este Tratado não é applicavel ás questões que tenham sido objecto de soluções definitivas entre as Partes contractantes, salvo a respeito da validade, interpretação e o cumprimento das referidas soluções.
As questões para cuja solução outras disposições convencionaes em vigor entre as Partes prevejam processo especial serão resolvidas consoante essas disposições.
ARTIGO XV
Quando se tratar de litigio que, segundo a legislação interna de uma das Partes, esteja na orbita da competencia dos seus tribunaes nacionaes, a questão só será submettida aos processsos previstos pelo presente Tratado no caso de denegação de justiça.
A determinação dos casos de denegação de justiça poderá ser feita de accôrdo com o artigo XVIII deste Tratado.
ARTIGO XVI
O recurso á arbitragem previsto na alinea 3 do artigo XIV será regido pela Convenção de Haya, de 18 de Outubro de 1907, para a solução pacifica dos conflictos internacionaes.
Na falta de accôrdo entre as Partes, o Tribunal arbitral será composto de cinco membros designados segundo o methodo previsto nos artigos III e IV do presente Tratado no que concerne á Commissão Permanente de Conciliação.
ARTIGO XVII
Se uma sentença arbitral ou judiciaria, proferida em conformidade com o presente Tratado, reconhecer que determinada decisão ou medida tomada por autoridade judiciaria ou por qualquer outra, dependente de uma das Partes contractantes, se acha completa ou parcialmente em opposição com o direito internacional, e se o direito constitucional dessa Parte não permittir ou só permittir imperfeitamente a annullação, por via administrativa, das consequencias de tal decisão ou medida, a sentença concederá á parte uma satisfação equitativa.
ARTIGO XVIII
Todas as duvidas que surgirem entre as Partes acerca da applicação do presente Tratado serão directamente submettidas á Corte Permanente de Justiça Internacional, nas condições previstas no artigo 40 dos seus Estatutos, salvo accôrdo contrario entre as Partes.
ARTIGO XIX
Desde a sua entrada em vigor, este Tratado substituirá, para todos os effeitos, a Convenção de Arbitragem Geral, celebrada entre os dois paizes contractantes, no Rio de Janeiro, a vinte e sete de Dezembro de mil novecentos e dezeseis.
ARTIGO XX
Este Tratado será ratificado, depois de preenchidas as formalidades legaes em cada um dos dois paizes contractantes, e as ratificações serão trocadas em Montevidéo o mais breve possivel.
Entrará em vigor um mez após a troca das ratificações e terá a duração de tres annos a partir de sua entrada em vigor.
Não sendo denunciado seis mezes antes da expiração desse prazo, será considerado renovado por outro periodo de tres annos, e, assim, successivamente.
Se, no momento da expiração deste Tratado, estiver pendente qualquer processo, iniciado em virtude de seus dispositivos, esse processo deverá proseguir normalmente até o fim.
Em fé do que os Plenipotenciarios, assim indicados, assignamos o presente Tratado, em dois exemplares, cada um nas linguas portugueza e hespanhola, nelles appondo os nossos sellos.
Feito no Rio de Janeiro, D. F., aos vinte e dois dias do mez de Agosto de mil novecentos e trinta e quatro.
 ___________________________________
(L. S.) JOSÈ CARLOS DE MACEDO SOARES.
__________________________
(L. S.) JUAN JOSÉ DE ARTEAGA.
E, tendo sido approvado o mesmo tratado, cujo teor fica acima transcripto, o confirmo e ratifico e, pela presente, o dou por firme e valioso para produzir os seus devidos effeitos, promettendo que elle será cumprido inviolavelmente.
Em firmeza do que, mandei passar esta Carta, que assigno e é sellada com o sello das armas da Republica e subscripta pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores.
Dado no Palacio da Presidencia, no Rio de Janeiro, aos dezoito dias do mez de Fevereiro de mil novecentos e trinta e seis, 115° da Independencia e 48° da Republica.
Fonte: Dai-mre.serpro.gov.br


0
  Relacionados